sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O Efeito Dunning-Kruger

«O ignorante afirma, o sábio duvida», já dizia Aristóteles, séculos antes de a psicologia nomear um efeito para explicar o porquê de tantos ignorantes se acharem tão conhecedores. Falei no filósofo grego para introduzir o efeito de que falarei a seguir, mas também poderia ter recorrido ao «só sei que nada sei» de um seu congénere, Sócrates.
Já na Antiguidade os filósofos se questionavam sobre o valor do conhecimento humano. Este era tão temido pelas classes mais altas que Sócrates acabou por ser morto, sob pena de fazer os cidadãos revoltarem-se contra os poderes instalados.
Como estas frases, existem muitas outras, mas o princípio que a elas preside é sempre o mesmo e passa por uma ignorância intrínseca àqueles que se acham conhecedores deste mundo e do outro. Todos os dias, na comunicação social, na política, nas várias áreas profissionais ou até mesmo em ambiente académico, somos confrontados com afirmações de conhecimento absoluto que, quando analisadas, se traduzem em mãos cheias de nada... se não mesmo em falsidades que assustariam qualquer um dos grandes especialistas já idos com quem a Humanidade teve o privilégio de contar.

Assim, numa sociedade em que impera o conhecimento superficial - quando não artificial -, afigura-se essencial reconhecermos as nossas limitações e a nossa ignorância, ato que se deve fazer acompanhar de espírito crítico e de uma procura constante por informação real e conhecimento verdadeiro (se é que este é mesmo possível de alcançar, mas deixemos essa reflexão para a área da filosofia), atitude essencial para que nos tornemos seres humanos minimamente capazes de enfrentar o mundo traiçoeiro que nos rodeia.

Se nunca pensou a fundo nesta questão da falsa sapiência ou, dito de outro modo, da ignorância encapotada, permita-me apresentar-lhe o Efeito Dunning-Kruger (finalmente chegamos ao tema central deste artigo), que resume de um modo muito eficaz os diferentes estágios do conhecimento humano (unidisciplinar ou pluridisciplinar).

Efeito Dunning-Kruger
É bem verdade que «uma imagem vale mais que mil palavras». Com efeito, David Dunning e Justin Kruger, à data investigadores da Universidade de Cornell, foram particularmente felizes ao estabelecer tão verdadeiro diagrama, em dezembro de 1999.

Começando a analisá-lo, de facto, é após a obtenção de conhecimento muito embrionário - Huh? -  acerca de determinada matéria que, frequentemente, pensamos saber tudo - I know everything. No fundo, esta corresponde à altura em que a criança de oito anos aprende a tabuada e chega a casa entusiasmada com a notícia de que descobriu os segredos da matemática.

Contudo, mais tarde, a mesma criança descobre as raízes quadradas e pergunta-se por que números negativos não a têm (ou serão demasiado complexos para serem analisados a esta luz? - os fortes entenderão) ou aprende a função afim e pergunta-se se não se pode ter uma correspondência entre objetos e imagens num gráfico que forma esses. Esta é a fase do There's more to this than I thought.

Num cenário de frustração face ao mundo complicado que, entretanto, a matemática se revela, a desistência surge como uma opção tentadora - I'm never going to understand this. Se bem que o que vou referir não é contemplado pelo gráfico, tomo a liberdade de acrescentar que é neste ponto do conhecimento que muitos ficam, preferindo enveredar por outras áreas para, no final, acabarem sempre por desistir. Em termos práticos, são os mais resilientes aqueles com maior chance de serem bem-sucedidos - "eu não tenho facilidade em calcular integrais, mas vou fazer 100 exercícios e hei-de conseguir!". Na sequência desta atitude, it's starting to make sense.

A partir deste ponto do conhecimento, começamos a ter alguma credibilidade não só no assunto em si, mas também enquanto eventuais referências para quem ainda questiona Huh? ou, levianamente, afirma I know everything sobre a área em questão.

Assim, realça-se a necessidade de nos afirmarmos como ignorantes para aspirarmos ao verdadeiro conhecimento. Os mais sábios são os mais humildes e os que admitem menos fraquezas... os que menos sabem. Não é a imagem que passamos que conta, é o que realmente somos. Que saibamos passar isto para o nosso quotidiano.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Os impactos económicos do coronavírus

O ano de 2020 começou praticamente com o alarme internacional em relação ao surgimento de uma nova espécie de coronavírus, que já vitimou centenas na China e atacou milhares de pessoas. Esta nova epidemia tem deixado marcas em várias áreas da vida social, com a economia mundial a ser uma das mais fustigadas. Neste sentido, procurarei explicar, ao longo deste artigo, de uma forma tão clara quanto intuitiva, os principais impactos económicos do coronavírus.

O coronavírus tem feito danos na economia mundial
Começando pelo básico, permitam-me definir economia como o produto das expetativas humanas. Efetivamente, sendo esta a ciência das escolhas, devemos reconhecer que as opções que tomamos no dia a dia derivam das nossas expetativas. Concretizando através de um exemplo muito simples, se eu tenho a expetativa de que o meu rendimento vai aumentar, uma escolha pessoal racional que se segue à esperança desse aumento é o crescimento da minha despesa em bens e em serviços. De facto, considerando tudo o resto constante (ceteris paribus), o meu poder de compra aumenta, o que me induzirá um maior consumo. No que diz respeito ao coronavírus, podemos analisar a situação por meio de raciocínios tão simples como este que acabei de apresentar, embora o objeto difira.

Assim, concentremo-nos, de novo, nas expetativas, o conceito essencial deste artigo. Que expetativas têm os consumidores (chineses, mas não só) acerca deste novo vírus? Boas não são de certeza. Evidentemente, quando o assunto é doença, a sensação que impera é o medo (e já vamos destacar um indicador, neste domínio, muito interessante), manifestando-se este medo tanto a uma escala micro, como a uma escala macro. O que acontece é que, quando é uma epidemia que está em causa, os efeitos macro são exacerbados. No caso do coronavírus, estes efeitos podem advir tanto do centro do problema (leia-se, China), como da sua periferia (considere-se o resto do mundo).

Começando pela China, sugiro que nos coloquemos, apenas neste artigo, na pele de um chinês, que se vê encurralado na sua cidade-natal, Wuhan, onde um vírus desconhecido impera. Qual seria o nosso primeiro impulso? Provavelmente, evitar o contacto com outras pessoas. Agora, pensemos no que isso implica para a economia, se todos nós, habitantes de Wuhan, reagirmos dessa forma. Desde logo, os negócios que dependem diretamente da convivência entre pessoas ou onde multidões imperam, como os restaurantes, os bares, os cinemas ou os mercados locais, ressentem-se fortemente. Na cidade-epicentro da epidemia, muitos destes negócios encontram-se (temporariamente) encerrados, o que se reflete dramaticamente na atividade económica da cidade (vide China has locked down Wuhan, the epicenter of the coronavirus outbreak).

Em Wuhan, os supermercados estão sem stock devido à corrida da população às prateleiras, levada a cabo a fim de assegurar o armazenamento de produtos alimentares e de evitar o contacto com pessoas
Com o alastramento da doença, este deixa de ser um problema de Wuhan para passar a ser, pelo menos, um problema da China como um todo. Não obstante o impacto no tipo de negócios anteriormente referido ser um dos mais relevantes, uma diminuição nos níveis de confiança da população tem um efeito corrosivo noutra dimensão da sociedade contemporânea - a mobilidade.

De facto, é difícil negar que este é um dos setores mais afetados pela epidemia, com a American Airlines, a maior transportadora aérea da maior economia do mundo, os Estados Unidos da América (EUA), a ser apenas uma das muitas a cancelar todos os voos durante um período significativo para a China Continental (vide American Airlines extends flight suspensions to China amid ongoing coronavirus outbreak). As consequências na indústria da aviação são especialmente importantes para ilustrar o impacto da epidemia na economia global, em função da quebra notória das receitas nas empresas deste ramo resultante do menor número de voos em que a mesma se traduz, um pouco por todo o mundo. A quarta maior companhia área estadunidense, a United Airlines, por exemplo, estima-se estar a perder mais de um milhão de euros por dia com o cancelamento de todos os 24 voos diários para a China (vide United Airlines extends flight cancellations between U.S. and China amid coronavirus).

Pelo menos 73 companhias aéreas cancelaram voos para a China Continental
Apesar de, no parágrafo anterior, se ter destacado a indústria da aviação, é importante ter em conta que não se ficam por aqui os efeitos na mobilidade do coronavírus, o que, aliás, fica bem patente nos cenários de cidade-fantasma que se tornaram a normalidade no país desde que a epidemia se instalou - não se veem carros em estradas com quatro vias em ambos os sentidos e os transportes públicos estão encerrados. Ninguém quer sair à rua, prevalecendo o medo entre as populações de um vírus cujo poder, como referido de início, ainda está por determinar.

Wuhan, que tem cerca de 10 milhões de habitantes, virou uma cidade-fantasma
Menos mobilidade significa... menos combustível. Em média, um Boeing 747 gasta cerca de 4 litros por segundo. Se pensarmos nas centenas de voos que estão a ser cancelados, todos os dias, podemos ter alguma noção do impacto da epidemia nos preços do petróleo. Assim, a procura corrói-se e os preços mergulham. Num intervalo de 20 dias, entre 21 de janeiro e 10 de fevereiro, o preço do barril de crude WTI caiu cerca de 17,69%, de $58.34 para $49.57, queda livre que foi algo refreada nos últimos 3 dias (dados da Bloomberg). No momento em que escrevo esta frase, o preço fixa-se em $50.81 por barril, o que está (não só, mas também) associado ao acalmar das hostes quase chegados a meio do segundo mês do ano.

Evolução do preço do barril de crude WTI entre 13/01/2020 e 13/02/2020
Fonte: Bloomberg
Por último, mas não menos importante, surge o impacto da epidemia nos mercados financeiros um pouco por todo o globo, não só refletido nos principais índices bolsistas mundiais, mas também no VIX, o apelidado "índice do medo", que reflete o receio de quem investe no mercado norte-americano. Assim, as variações deste índice são contrárias às de um índice normal, sendo uma subida percecionada como um momento de desconfiança. Olhando para o gráfico abaixo (dados da Bloomberg), observa-se que a crença na chegada do período de controlo da epidemia se acentua, com uma grande descida no valor do índice desde o início de fevereiro, após um escalar em janeiro.

Evolução do índice VIX entre 17/01/2020 e 14/02/2020
Fonte: Bloomberg
Simultaneamente, índices como o S&P 500 e o Stoxx 600 (referências para os EUA e para a Europa, respetivamente) foram afetados, curiosamente menos que o SSEC (Shangai), que esteve encerrado durante 10 dias, o que explica tudo. No entanto, os mercados começam agora a recuperar, muito graças à injeção de 156 mil milhões de euros por parte do Banco Popular da China (PBC) (banco central) na economia chinesa para conter potenciais quedas mais bruscas dos mercados. À data em que escrevo este parágrafo (17 de fevereiro), os mercados estão a reagir positivamente em todo o mundo à sugestão por parte de Xi Jinping (Presidente da China) de que estímulos poderão ser introduzidos em breve. As bolsas europeias, por exemplo, estão todas no verde após o sinal dado pelo executivo chinês.

Recapitulando as diversas temáticas abordadas ao longo deste artigo, podemos concluir que o medo, enquanto expetativa com um impacto enorme na economia, tem produzido impactos ao nível do consumo, principalmente, na China, na mobilidade, a nível global, com uma menor procura do petróleo a atirar os preços do crude para mínimos, e nos mercados financeiros, com os investidores a refrearem a sua ação dada a desconfiança em relação ao ambiente empresarial.

Para procurar combater estes efeitos adversos, a China optou, como se referiu, por injetar dinheiro no sistema, o que, a curto prazo, produziu efeitos positivos nos mercados e, de forma artificial, evitou uma maior correção na bolsa de Shangai. Por outro lado, uma diminuição das taxas de juro pode estar para breve, em busca de se proteger o consumo privado. Veremos até que ponto o intervencionismo pode funcionar a longo prazo nesta situação.

O coronavírus já é uma das epidemias com maior impacto na economia desde que há registo. Nos próximos tempos, poderemos entender se o pior já passou ou ainda está para vir.

O Efeito Dunning-Kruger

«O ignorante afirma, o sábio duvida», já dizia Aristóteles, séculos antes de a psicologia nomear um efeito para explicar o porquê de tantos...