sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O Efeito Dunning-Kruger

«O ignorante afirma, o sábio duvida», já dizia Aristóteles, séculos antes de a psicologia nomear um efeito para explicar o porquê de tantos ignorantes se acharem tão conhecedores. Falei no filósofo grego para introduzir o efeito de que falarei a seguir, mas também poderia ter recorrido ao «só sei que nada sei» de um seu congénere, Sócrates.
Já na Antiguidade os filósofos se questionavam sobre o valor do conhecimento humano. Este era tão temido pelas classes mais altas que Sócrates acabou por ser morto, sob pena de fazer os cidadãos revoltarem-se contra os poderes instalados.
Como estas frases, existem muitas outras, mas o princípio que a elas preside é sempre o mesmo e passa por uma ignorância intrínseca àqueles que se acham conhecedores deste mundo e do outro. Todos os dias, na comunicação social, na política, nas várias áreas profissionais ou até mesmo em ambiente académico, somos confrontados com afirmações de conhecimento absoluto que, quando analisadas, se traduzem em mãos cheias de nada... se não mesmo em falsidades que assustariam qualquer um dos grandes especialistas já idos com quem a Humanidade teve o privilégio de contar.

Assim, numa sociedade em que impera o conhecimento superficial - quando não artificial -, afigura-se essencial reconhecermos as nossas limitações e a nossa ignorância, ato que se deve fazer acompanhar de espírito crítico e de uma procura constante por informação real e conhecimento verdadeiro (se é que este é mesmo possível de alcançar, mas deixemos essa reflexão para a área da filosofia), atitude essencial para que nos tornemos seres humanos minimamente capazes de enfrentar o mundo traiçoeiro que nos rodeia.

Se nunca pensou a fundo nesta questão da falsa sapiência ou, dito de outro modo, da ignorância encapotada, permita-me apresentar-lhe o Efeito Dunning-Kruger (finalmente chegamos ao tema central deste artigo), que resume de um modo muito eficaz os diferentes estágios do conhecimento humano (unidisciplinar ou pluridisciplinar).

Efeito Dunning-Kruger
É bem verdade que «uma imagem vale mais que mil palavras». Com efeito, David Dunning e Justin Kruger, à data investigadores da Universidade de Cornell, foram particularmente felizes ao estabelecer tão verdadeiro diagrama, em dezembro de 1999.

Começando a analisá-lo, de facto, é após a obtenção de conhecimento muito embrionário - Huh? -  acerca de determinada matéria que, frequentemente, pensamos saber tudo - I know everything. No fundo, esta corresponde à altura em que a criança de oito anos aprende a tabuada e chega a casa entusiasmada com a notícia de que descobriu os segredos da matemática.

Contudo, mais tarde, a mesma criança descobre as raízes quadradas e pergunta-se por que números negativos não a têm (ou serão demasiado complexos para serem analisados a esta luz? - os fortes entenderão) ou aprende a função afim e pergunta-se se não se pode ter uma correspondência entre objetos e imagens num gráfico que forma esses. Esta é a fase do There's more to this than I thought.

Num cenário de frustração face ao mundo complicado que, entretanto, a matemática se revela, a desistência surge como uma opção tentadora - I'm never going to understand this. Se bem que o que vou referir não é contemplado pelo gráfico, tomo a liberdade de acrescentar que é neste ponto do conhecimento que muitos ficam, preferindo enveredar por outras áreas para, no final, acabarem sempre por desistir. Em termos práticos, são os mais resilientes aqueles com maior chance de serem bem-sucedidos - "eu não tenho facilidade em calcular integrais, mas vou fazer 100 exercícios e hei-de conseguir!". Na sequência desta atitude, it's starting to make sense.

A partir deste ponto do conhecimento, começamos a ter alguma credibilidade não só no assunto em si, mas também enquanto eventuais referências para quem ainda questiona Huh? ou, levianamente, afirma I know everything sobre a área em questão.

Assim, realça-se a necessidade de nos afirmarmos como ignorantes para aspirarmos ao verdadeiro conhecimento. Os mais sábios são os mais humildes e os que admitem menos fraquezas... os que menos sabem. Não é a imagem que passamos que conta, é o que realmente somos. Que saibamos passar isto para o nosso quotidiano.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Os impactos económicos do coronavírus

O ano de 2020 começou praticamente com o alarme internacional em relação ao surgimento de uma nova espécie de coronavírus, que já vitimou centenas na China e atacou milhares de pessoas. Esta nova epidemia tem deixado marcas em várias áreas da vida social, com a economia mundial a ser uma das mais fustigadas. Neste sentido, procurarei explicar, ao longo deste artigo, de uma forma tão clara quanto intuitiva, os principais impactos económicos do coronavírus.

O coronavírus tem feito danos na economia mundial
Começando pelo básico, permitam-me definir economia como o produto das expetativas humanas. Efetivamente, sendo esta a ciência das escolhas, devemos reconhecer que as opções que tomamos no dia a dia derivam das nossas expetativas. Concretizando através de um exemplo muito simples, se eu tenho a expetativa de que o meu rendimento vai aumentar, uma escolha pessoal racional que se segue à esperança desse aumento é o crescimento da minha despesa em bens e em serviços. De facto, considerando tudo o resto constante (ceteris paribus), o meu poder de compra aumenta, o que me induzirá um maior consumo. No que diz respeito ao coronavírus, podemos analisar a situação por meio de raciocínios tão simples como este que acabei de apresentar, embora o objeto difira.

Assim, concentremo-nos, de novo, nas expetativas, o conceito essencial deste artigo. Que expetativas têm os consumidores (chineses, mas não só) acerca deste novo vírus? Boas não são de certeza. Evidentemente, quando o assunto é doença, a sensação que impera é o medo (e já vamos destacar um indicador, neste domínio, muito interessante), manifestando-se este medo tanto a uma escala micro, como a uma escala macro. O que acontece é que, quando é uma epidemia que está em causa, os efeitos macro são exacerbados. No caso do coronavírus, estes efeitos podem advir tanto do centro do problema (leia-se, China), como da sua periferia (considere-se o resto do mundo).

Começando pela China, sugiro que nos coloquemos, apenas neste artigo, na pele de um chinês, que se vê encurralado na sua cidade-natal, Wuhan, onde um vírus desconhecido impera. Qual seria o nosso primeiro impulso? Provavelmente, evitar o contacto com outras pessoas. Agora, pensemos no que isso implica para a economia, se todos nós, habitantes de Wuhan, reagirmos dessa forma. Desde logo, os negócios que dependem diretamente da convivência entre pessoas ou onde multidões imperam, como os restaurantes, os bares, os cinemas ou os mercados locais, ressentem-se fortemente. Na cidade-epicentro da epidemia, muitos destes negócios encontram-se (temporariamente) encerrados, o que se reflete dramaticamente na atividade económica da cidade (vide China has locked down Wuhan, the epicenter of the coronavirus outbreak).

Em Wuhan, os supermercados estão sem stock devido à corrida da população às prateleiras, levada a cabo a fim de assegurar o armazenamento de produtos alimentares e de evitar o contacto com pessoas
Com o alastramento da doença, este deixa de ser um problema de Wuhan para passar a ser, pelo menos, um problema da China como um todo. Não obstante o impacto no tipo de negócios anteriormente referido ser um dos mais relevantes, uma diminuição nos níveis de confiança da população tem um efeito corrosivo noutra dimensão da sociedade contemporânea - a mobilidade.

De facto, é difícil negar que este é um dos setores mais afetados pela epidemia, com a American Airlines, a maior transportadora aérea da maior economia do mundo, os Estados Unidos da América (EUA), a ser apenas uma das muitas a cancelar todos os voos durante um período significativo para a China Continental (vide American Airlines extends flight suspensions to China amid ongoing coronavirus outbreak). As consequências na indústria da aviação são especialmente importantes para ilustrar o impacto da epidemia na economia global, em função da quebra notória das receitas nas empresas deste ramo resultante do menor número de voos em que a mesma se traduz, um pouco por todo o mundo. A quarta maior companhia área estadunidense, a United Airlines, por exemplo, estima-se estar a perder mais de um milhão de euros por dia com o cancelamento de todos os 24 voos diários para a China (vide United Airlines extends flight cancellations between U.S. and China amid coronavirus).

Pelo menos 73 companhias aéreas cancelaram voos para a China Continental
Apesar de, no parágrafo anterior, se ter destacado a indústria da aviação, é importante ter em conta que não se ficam por aqui os efeitos na mobilidade do coronavírus, o que, aliás, fica bem patente nos cenários de cidade-fantasma que se tornaram a normalidade no país desde que a epidemia se instalou - não se veem carros em estradas com quatro vias em ambos os sentidos e os transportes públicos estão encerrados. Ninguém quer sair à rua, prevalecendo o medo entre as populações de um vírus cujo poder, como referido de início, ainda está por determinar.

Wuhan, que tem cerca de 10 milhões de habitantes, virou uma cidade-fantasma
Menos mobilidade significa... menos combustível. Em média, um Boeing 747 gasta cerca de 4 litros por segundo. Se pensarmos nas centenas de voos que estão a ser cancelados, todos os dias, podemos ter alguma noção do impacto da epidemia nos preços do petróleo. Assim, a procura corrói-se e os preços mergulham. Num intervalo de 20 dias, entre 21 de janeiro e 10 de fevereiro, o preço do barril de crude WTI caiu cerca de 17,69%, de $58.34 para $49.57, queda livre que foi algo refreada nos últimos 3 dias (dados da Bloomberg). No momento em que escrevo esta frase, o preço fixa-se em $50.81 por barril, o que está (não só, mas também) associado ao acalmar das hostes quase chegados a meio do segundo mês do ano.

Evolução do preço do barril de crude WTI entre 13/01/2020 e 13/02/2020
Fonte: Bloomberg
Por último, mas não menos importante, surge o impacto da epidemia nos mercados financeiros um pouco por todo o globo, não só refletido nos principais índices bolsistas mundiais, mas também no VIX, o apelidado "índice do medo", que reflete o receio de quem investe no mercado norte-americano. Assim, as variações deste índice são contrárias às de um índice normal, sendo uma subida percecionada como um momento de desconfiança. Olhando para o gráfico abaixo (dados da Bloomberg), observa-se que a crença na chegada do período de controlo da epidemia se acentua, com uma grande descida no valor do índice desde o início de fevereiro, após um escalar em janeiro.

Evolução do índice VIX entre 17/01/2020 e 14/02/2020
Fonte: Bloomberg
Simultaneamente, índices como o S&P 500 e o Stoxx 600 (referências para os EUA e para a Europa, respetivamente) foram afetados, curiosamente menos que o SSEC (Shangai), que esteve encerrado durante 10 dias, o que explica tudo. No entanto, os mercados começam agora a recuperar, muito graças à injeção de 156 mil milhões de euros por parte do Banco Popular da China (PBC) (banco central) na economia chinesa para conter potenciais quedas mais bruscas dos mercados. À data em que escrevo este parágrafo (17 de fevereiro), os mercados estão a reagir positivamente em todo o mundo à sugestão por parte de Xi Jinping (Presidente da China) de que estímulos poderão ser introduzidos em breve. As bolsas europeias, por exemplo, estão todas no verde após o sinal dado pelo executivo chinês.

Recapitulando as diversas temáticas abordadas ao longo deste artigo, podemos concluir que o medo, enquanto expetativa com um impacto enorme na economia, tem produzido impactos ao nível do consumo, principalmente, na China, na mobilidade, a nível global, com uma menor procura do petróleo a atirar os preços do crude para mínimos, e nos mercados financeiros, com os investidores a refrearem a sua ação dada a desconfiança em relação ao ambiente empresarial.

Para procurar combater estes efeitos adversos, a China optou, como se referiu, por injetar dinheiro no sistema, o que, a curto prazo, produziu efeitos positivos nos mercados e, de forma artificial, evitou uma maior correção na bolsa de Shangai. Por outro lado, uma diminuição das taxas de juro pode estar para breve, em busca de se proteger o consumo privado. Veremos até que ponto o intervencionismo pode funcionar a longo prazo nesta situação.

O coronavírus já é uma das epidemias com maior impacto na economia desde que há registo. Nos próximos tempos, poderemos entender se o pior já passou ou ainda está para vir.

sábado, 15 de junho de 2019

Responsabilidade social também é alimentar e consumir os bons conteúdos

Numa altura em que o conceito de responsabilidade social é cada vez mais uma tónica, nomeadamente, em temas como as alterações climáticas, o consumo de produtos de origem animal, as afamadas fake news ou a diáspora do populismo, frequentemente esquecemo-nos que também podemos introduzir esta noção no que diz respeito ao consumo dos vários conteúdos que nos são disponibilizados (e, em alguns casos, com os quais somos bombardeados).

Com efeito, a realidade portuguesa é a de uma sociedade que, em vez de sair à rua e ir ao Teatro Nacional de São Carlos ver uma ópera como La Bohème ou visitar os museus espalhados pelo nosso território, que tanto contam sobre a nossa história e cuja entrada não raras vezes é gratuita, prefere sentar-se no sofá, alimentando o sedentarismo, a ver Secret Story, Casados à Primeira Vista ou Quem Quer Casar com o Agricultor. Mas sair de casa não é condição necessária para encontrarmos conteúdos de qualidade. Para tal, basta sintonizarmo-nos com a RTP2, por exemplo, onde é emitido o Literatura Aqui ou onde quem se informou pôde ver uma magnífica reportagem sobre Francisco Lucas Pires no passado dia 11. Na RTP3, há ainda o Tudo é Economia ou o Outro Lado. Depois, temos também os documentários sempre arrebatadores da National Geographic ou da Discovery.

Não obstante termos uma vasta gama de conteúdos de qualidade que nos é disponibilizada, continuamos a preferir programas de baixo nível, que mostram o pior dos indivíduos e que em nada contribuem para o nosso desenvolvimento intelectual. Assim, registando baixas audiências, os programas e os canais de qualidade veem a sua existência colocada em causa (ficando em vias de extinção). O caso mediático mais recente ilustrativo desta realidade teve como protagonista o Económico TV (vulgo ETV), que, após ter sido aberto ao público em 2010, foi declarado insolvente em 2016. Na sua grelha, contava habitualmente com convidados de renome das áreas da Economia e das Finanças, mas a falta de interesse do público, traduzindo-se em audiências reduzidas, obrigou ao fim do projeto.

O que aconteceu ao ETV é precisamente aquilo que mais temo que possa suceder com os conteúdos de qualidade hoje disponíveis na televisão portuguesa. A RTP2, por exemplo, desenvolve um trabalho de um nível extraordinário em múltiplas esferas da cultura nacional (e não só), mas as baixas audiências colocam em causa a sua sustentabilidade financeira. Por seu turno, os canais de documentários podem também deixar de considerar o mercado nacional atrativo e optarem pela saída de Portugal. Tudo isto pode levar a um indesejável processo de monopolização da televisão portuguesa por parte de reality shows, retirando valor à produção nacional.

Neste sentido, também neste contexto os portugueses devem procurar ser responsáveis socialmente, procurando alimentar e consumir os conteúdos de valor que por cá se criam, sejam eles televisivos, estejam eles presentes em teatros ou em museus. Vejo com bons olhos que Governo Sombra ou Gente Que Não Sabe Estar, ambos da TVI, têm conseguido algum protagonismo, através do humor. Talvez o facto de estes programas terem sucesso também indicie alguma monotonia e falta de originalidade na conceção de outros. Deste modo, faz também parte das tarefas das direções dos canais adotar estratégias para captar o público, porque esse é também o interesse de quem os dirige.

Conseguindo algum rebranding, os canais de qualidade estarão mais próximos de aumentar as audiências de novo, mas é igualmente preciso que o público colabore, que entenda a importância destes programas para a instrução das pessoas e para o desenvolvimento do seu pensamento. A este nível, devo elogiar o magnífico trabalho de sensibilização para a cultura que a Comunidade Cultura e Arte tem feito, principalmente no Instagram

Ao fim e ao cabo, aquilo que consumimos acaba por nos definir de alguma forma. Por conseguinte, também neste domínio, devemos ser responsáveis socialmente, procurando vencer a guerra contra a podridão que se ameaça instalar no seio da nossa sociedade.

NOTA: Para terminar, para quem quiser embarcar nesta aventura de salvar o que de bom por cá se produz, sugiro a visualização da reportagem já mencionada neste texto sobre Francisco Lucas Pires, disponível na RTP Play e emitida no passado dia 11 na RTP 2 - Francisco Lucas Pires | Ao Princípio Não Era o Estado, Era o Homem.


sexta-feira, 8 de março de 2019

O panorama global e a economia europeia | Uma análise às medidas do BCE

Numa semana em que as perspetivas em relação à performance da economia mundial se deterioraram a olhos vistos, com os principais bancos mundiais a reduzirem as estimativas de crescimento das grandes economias, o Banco Central Europeu (BCE) foi chamado à ação e forçado a dar ainda mais força à sua política monetária ultra-expansionista, num derradeiro esforço para evitar uma recessão. 

Recorde-se que tudo isto surge num momento particularmente delicado a nível global, com o Brexit e com a guerra comercial entre China e Estados Unidos da América (EUA) a trazerem grande instabilidade aos mercados financeiros - Wall Street, por exemplo, caiu pelo quarto dia consecutivo ontem, pela primeira vez no ano. De mais a mais, o crescimento do mercado de empréstimos alavancados, favorecido pela simpatia crescente pelas obrigações de empréstimos colateralizados (CLO), tem contribuído para uma deterioração dos níveis de confiança dos mercados, trazendo à memória o que se passou em 2008. De facto, as semelhanças com o que esteve na origem, nesse mesmo ano, daquela que é tida por muitos como a maior crise financeira da história são enormes, com a diferença de que, desta feita, são as dívidas monstruosas de empresas com baixa notação financeira que continuam a ser teimosamente financiadas e não tanto o crédito ao setor imobiliário, aspeto este que se encontra associado à transição das obrigações de dívida colateralizada (CDO) para as já referidas CLO, que, portanto, apenas diferem na fonte de dívida.

Não obstante os sinais de uma crise financeira iminente serem alarmantes, a principal preocupação dos bancos centrais neste momento é a de continuarem a potenciar o crescimento das economias sob a sua alçada, ficando a análise profunda às CLO e aos riscos por elas comportados a cargo do Conselho de Estabilidade Financeira.

Passando às medidas tomadas pelo BCE propriamente ditas, de salientar a intenção de se manterem as taxas de juro nos mínimos atuais pelo menos até ao final do ano. À luz dos modelos macroeconómicos, nomeadamente, do mercado do dinheiro e da oferta agregada e da procura agregada, a intenção de tal medida é clara. Neste sentido, taxas de juro mais baixas significam mais moeda em circulação, o que se traduz num maior financiamento dado aos bancos comerciais (que se está a concretizar a uma taxa de juro de 0%) e, por conseguinte, maior crédito ao consumo e ao investimento, os dois maiores motores da generalidade das economias, ainda que o primeiro assuma uma preponderância acima do desejável. De outra perspetiva, uma maior quantidade de moeda em circulação implica uma desvalorização do euro (que, por sinal, continua a perder face ao dólar), o que se espera vir a contribuir para um aumento das exportações da Zona Euro.

Mario Draghi, presidente do BCE, anunciou novas medidas para evitar recessão

Seja como for, se China e EUA não conseguirem um acordo em breve e o Brexit continuar perigosamente em águas de bacalhau, não há taxas de juro baixas que valham às economias americana e, sobretudo, europeia. Num cenário de tamanha instabilidade, dificilmente se conseguirá atrair investimento, tão necessário para um crescimento económico sustentável e duradouro. As próximas semanas poderão ser decisivas, numa fase em que a evolução do comportamento do mercado de empréstimos alavancados tem uma palavra a dizer.

Nota: Para a elaboração deste artigo, recolhi informação tanto do trabalho de Carla Pedro, como do trabalho de Rita Faria, ambos disponíveis no portal online do Jornal de Negócios.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Problemas de crescimento do Japão | Uma análise à luz do Modelo AD-AS

O presente artigo representa a tradução para português do original Japan's growth problems | An analysis in light of the AD-AS Model, publicado a 17 de janeiro de 2019.

Na edição de ontem do Financial Times, Robin Harding, Professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford e o Gillian Peele Fellow em Política na Lady Margaret Hall (Harding, 2018), focou-se (infelizmente, não me encontro em condições de partilhar o link, já que o artigo apenas se encontra disponível para assinantes) num facto alarmante: a mão de obra japonesa deverá diminuir em quase 13 milhões de pessoas (de 65,3 milhões em 2017 para 52,5 milhões em 2040) nos próximos 20 anos, de acordo com o ministro da saúde japonês. Estas previsões têm por base os baixos níveis de fertilidade no país, que já são crónicos, assim como o severo envelhecimento populacional.

À luz do Modelo AD-AS (assim que possível, publicarei um artigo em que explico as suas principais nuances), inspirado pelas ideias e pelo trabalho de John Maynard Keynes durante a primeira metade do último século, é possível analisar a atual situação do Japão. Para tal, efetuei a recolha de alguns dados no portal oficial do Banco do Japão acerca do output gap (diferença entre PIB real e PIB potencial) e da taxa de crescimento potencial do país, que são apresentados em seguida.

Fonte: Banco do Japão

De acordo com o gráfico, é possível afirmar que o Japão se encontra numa situação acima de pleno-emprego (mais precisamente, desde o final de 2016), uma conclusão viabilizada pelo output gap positivo. Tal significa que a taxa de desemprego efetiva do país tem estado abaixo da taxa natural (aquela que inclui o desemprego estrutural e friccional, mas não o cíclico) nos últimos anos. Deste modo, o Japão encontra-se num inflationary gap (estado em que o PIB real supera o potencial), existindo, por conseguinte, à luz do Modelo AD-AS, uma pressão para os salários aumentarem, contribuindo para um crescimento dos custos de produção e, naturalmente, do nível de preços, na procura de se restabelecer o nível potencial do PIB, fechando o gap gerado. Na verdade, os valores de inflação positivos atuais, que se verificam após mais de uma década de deflação, podem ser entendidos pelo raciocínio previamente estabelecido. No gráfico seguinte, represento o que está a acontecer no Japão, usando o modelo proposto.


Apesar de ser inquestionavelmente interessante continuar a discutir a atual situação do Japão, o artigo escrito por Robin Harding foca-se principalmente nos problemas de crescimento do país, que se encontram estreitamente relacionados com o comportamento do nível potencial do PIB ao longo do tempo, o qual é apresentado no gráfico seguinte.

Fonte: Banco do Japão

No que diz respeito ao nível potencial do PIB, espera-se que o mesmo diminua nos próximos 20 anos, traduzindo a diminuição da mão de obra despoletada pelo envelhecimento e pela baixa natalidade. De facto, o nível de pleno-emprego diminuirá a olhos vistos e tal repercutir-se-á negativamente no PIB a longo prazo. De modo a tentar compensar, de alguma forma, esta inevitabilidade, «a participação das mulheres e da população em idade mais avançada é essencial», de acordo com a comissão do ministério da saúde japonês para os estudos relativos à mão de obra. Para além de tal, «uma elevada expansão dos níveis de produtividade» ou «imigração em larga-escala» são também fatores apontados como potenciais mitigadores dos efeitos nocivos da situação demográfica do país no mercado de trabalho. À luz do Modelo AD-AS, a implementação de políticas neste sentido seria muito bem-vinda, uma vez que permitiria uma queda menor do nível potencial do PIB do que a esperada, sustentando, assim, ainda que não totalmente, o nível de produção. Graficamente, temos o seguinte.



Conclusões finais: O Japão enfrenta uma situação dramática do ponto de vista demográfico que afetará a sua economia mais cedo o mais tarde. Consequentemente, o governo do país tem o dever de agir rapidamente, estimulando a imigração através de programas atrativos, implementando incentivos para a natalidade e para o trabalho feminino, assim como apoiando o campo da Investigação & Desenvolvimento, na procura de níveis crescentes de produtividade.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Japan's growth problems | An analysis in light of the AD-AS Model

In yesterday's edition of Financial Times, Robin Harding, an Associate Professor in the Department of Politics and International Relations at the University of Oxford and the Gillian Peele Fellow in Politics at Lady Margaret Hall (Harding, 2018), focused (unfortunatelly, I won't be able to display the link, as the article is only available for subscribers) on a threatening fact: Japan is expected to see its labor force shrink by almost 13 million people (from 65.3 million in 2017 to 52.5 million in 2040) in the next 20 years, according to the country's health minister. These forecasts are based on the long lasting, low levels of fertility in the country, in articulation with a severe population aging.

In light of the AD-AS Model (as soon as possible, I will write an article explaining the main economic mechanisms at play with it), inspired by the thoughts and work of John Maynard Keynes during the first half of the last century, it is possible to analyze the Japanese current situation. To do so, I made some research on the data presented by Bank of Japan regarding the Japanese output gap and potential growth rate (the following).

Source: Bank of Japan

According to the chart, it is possible to state that Japan has been experiencing an above full-employment situation lately (more precisely, from about the end of 2016 onwards), a conclusion given by the positive output gap. This means that the unemployment rate in the country has been below its natural rate (that comprising frictional and structural unemployment, excluding the cyclical one) in recent years. That is, Japan is currently facing an inflationary gap, thereby existing, in light of the AD-AS Model, an upward pressure on wages, increasing production costs and, hence, the level of prices, so that it is possible to restore the level of potential output in the long-run, closing the gap generated. Actually, positive inflation levels nowadays after more than a decade of deflation can be understood by this reasoning. In the following chart, I plot what is happening in Japan right now, using the model proposed.


Even though it is undeniably interesting to further discuss Japan's current situation, the article written by Robin Harding mainly focuses on Japan's growth problems and they are unmistakably related to potential GDP behavior throughout time, which is presented in the following chart.

Source: Bank of Japan

With respect to the level of potential output, it is expected to decrease in the next 20 years, as a result of a shrinking labor force, due to aging and lack of natality. Indeed, the level of full-employment will decrease severely and that has negative effects on output in the long-run. To offset this inevitability, «the participation of women and older people in the workforce is essential», according to the health's ministry's comission on worforce research. Moreover, a «huge expansion in productivity» or «large-scale immigration» are pointed out as capable policies to mitigate the demographic situation impacts in the labor market. In light of the AD-AS Model, the implementation of this kind of policies would be welcome, as it would allow the level of full-employment to decrease less than it is expected, thus sustaining the level of output. Providing a graphical depiction, we have the following.



Final conclusions: Japan faces a dramatic situation regarding demography which will harm its economy sooner or later. Therefore, the Government has the duty to act quickly, stimulating immigration through attractive programs, designing incentives for natality and for women to work, as well as supporting Research & Development, in the pursuit of increasing levels of productivity.

Novidades | Macroeconomia e artigos em Inglês n' "O Espetáculo do Mundo"

A partir de hoje, assuntos macroeconómicos serão uma das principais matérias de reflexão no meu blogue. Partindo dos conhecimentos que adquiri ao longo do meu primeiro semestre na NOVA School of Business and Economics, analisarei diversas situações da economia mundial à luz dos modelos estudados em Introdução à Macroeconomia (sendo mais rigoroso, em Principles of Macroeconomics, na medida em que as aulas foram lecionadas em inglês).

Nesta cadeira, fui guiado por dois Professores Regentes e por um Teaching Assistant. Em relação a este campo em particular, pude contar, por um lado, numa primeira fase, com a sabedoria do Professor José Miguel Cardoso da Costa, que conjuga a atividade de docente com a de economista no Banco de Portugal. Por outro lado, beneficiei dos muitos anos de sabedoria do Professor José António Ferreira Machado, ex-Diretor da minha faculdade e atual Vice-Reitor da Universidade Nova de Lisboa. Por último, mas não menos importante, fui orientado nas aulas práticas por Manuel Vassalo, atualmente a frequentar o Mestrado em Finanças - o 19.º melhor mestrado da área, a nível mundial, de acordo com o Financial Times - na mesma instituição em que leciona. A todos os eles, transmito um profundo sentimento de gratidão por todos os conhecimentos transmitidos e pelo apoio dado ao longo do meu primeiro semestre numa faculdade à qual sinto um enorme orgulho em pertencer.

Associado a este novo tópico pelo qual me aventuro, anuncio também a novidade de começar a escrever em inglês, com o intuito de conferir um potencial de alcance universal aos meus artigos e de eu próprio progredir na escrita num idioma diferente do meu.

Para terminar, espero que as novas dinâmicas introduzidas no meu blogue se constituam como uma oportunidade de aprendizagem para todos - para vós, que estão desse lado e se interessam pelo que escrevo, e para mim, que procuro crescer num mundo que me fascina, o da economia.

O Efeito Dunning-Kruger

«O ignorante afirma, o sábio duvida», já dizia Aristóteles, séculos antes de a psicologia nomear um efeito para explicar o porquê de tantos...