sábado, 15 de junho de 2019

Responsabilidade social também é alimentar e consumir os bons conteúdos

Numa altura em que o conceito de responsabilidade social é cada vez mais uma tónica, nomeadamente, em temas como as alterações climáticas, o consumo de produtos de origem animal, as afamadas fake news ou a diáspora do populismo, frequentemente esquecemo-nos que também podemos introduzir esta noção no que diz respeito ao consumo dos vários conteúdos que nos são disponibilizados (e, em alguns casos, com os quais somos bombardeados).

Com efeito, a realidade portuguesa é a de uma sociedade que, em vez de sair à rua e ir ao Teatro Nacional de São Carlos ver uma ópera como La Bohème ou visitar os museus espalhados pelo nosso território, que tanto contam sobre a nossa história e cuja entrada não raras vezes é gratuita, prefere sentar-se no sofá, alimentando o sedentarismo, a ver Secret Story, Casados à Primeira Vista ou Quem Quer Casar com o Agricultor. Mas sair de casa não é condição necessária para encontrarmos conteúdos de qualidade. Para tal, basta sintonizarmo-nos com a RTP2, por exemplo, onde é emitido o Literatura Aqui ou onde quem se informou pôde ver uma magnífica reportagem sobre Francisco Lucas Pires no passado dia 11. Na RTP3, há ainda o Tudo é Economia ou o Outro Lado. Depois, temos também os documentários sempre arrebatadores da National Geographic ou da Discovery.

Não obstante termos uma vasta gama de conteúdos de qualidade que nos é disponibilizada, continuamos a preferir programas de baixo nível, que mostram o pior dos indivíduos e que em nada contribuem para o nosso desenvolvimento intelectual. Assim, registando baixas audiências, os programas e os canais de qualidade veem a sua existência colocada em causa (ficando em vias de extinção). O caso mediático mais recente ilustrativo desta realidade teve como protagonista o Económico TV (vulgo ETV), que, após ter sido aberto ao público em 2010, foi declarado insolvente em 2016. Na sua grelha, contava habitualmente com convidados de renome das áreas da Economia e das Finanças, mas a falta de interesse do público, traduzindo-se em audiências reduzidas, obrigou ao fim do projeto.

O que aconteceu ao ETV é precisamente aquilo que mais temo que possa suceder com os conteúdos de qualidade hoje disponíveis na televisão portuguesa. A RTP2, por exemplo, desenvolve um trabalho de um nível extraordinário em múltiplas esferas da cultura nacional (e não só), mas as baixas audiências colocam em causa a sua sustentabilidade financeira. Por seu turno, os canais de documentários podem também deixar de considerar o mercado nacional atrativo e optarem pela saída de Portugal. Tudo isto pode levar a um indesejável processo de monopolização da televisão portuguesa por parte de reality shows, retirando valor à produção nacional.

Neste sentido, também neste contexto os portugueses devem procurar ser responsáveis socialmente, procurando alimentar e consumir os conteúdos de valor que por cá se criam, sejam eles televisivos, estejam eles presentes em teatros ou em museus. Vejo com bons olhos que Governo Sombra ou Gente Que Não Sabe Estar, ambos da TVI, têm conseguido algum protagonismo, através do humor. Talvez o facto de estes programas terem sucesso também indicie alguma monotonia e falta de originalidade na conceção de outros. Deste modo, faz também parte das tarefas das direções dos canais adotar estratégias para captar o público, porque esse é também o interesse de quem os dirige.

Conseguindo algum rebranding, os canais de qualidade estarão mais próximos de aumentar as audiências de novo, mas é igualmente preciso que o público colabore, que entenda a importância destes programas para a instrução das pessoas e para o desenvolvimento do seu pensamento. A este nível, devo elogiar o magnífico trabalho de sensibilização para a cultura que a Comunidade Cultura e Arte tem feito, principalmente no Instagram

Ao fim e ao cabo, aquilo que consumimos acaba por nos definir de alguma forma. Por conseguinte, também neste domínio, devemos ser responsáveis socialmente, procurando vencer a guerra contra a podridão que se ameaça instalar no seio da nossa sociedade.

NOTA: Para terminar, para quem quiser embarcar nesta aventura de salvar o que de bom por cá se produz, sugiro a visualização da reportagem já mencionada neste texto sobre Francisco Lucas Pires, disponível na RTP Play e emitida no passado dia 11 na RTP 2 - Francisco Lucas Pires | Ao Princípio Não Era o Estado, Era o Homem.


O Efeito Dunning-Kruger

«O ignorante afirma, o sábio duvida», já dizia Aristóteles, séculos antes de a psicologia nomear um efeito para explicar o porquê de tantos...